Eduardo Ritter
Hoda Barakat: uma inspiração literária que vem do Líbano
Por Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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Neste final de 2022 tive o prazer de descobrir uma autora que dá aula de literatura na prática: Hoda Barakat. Cheguei a ela numa espécie de intertextualidade libanesa, pois suas obras são mencionadas pelo professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Murilo Meihy, no livro Os libaneses (Contexto, 2016). De acordo com ele, Barakat adota como pano de fundo a guerra civil libanesa que durou de 1975 até 1990, mas não a partir de uma perspectiva historiográfica, no sentido tradicional do termo, mas sim, literária e poética. “O ambiente caótico desse período fez emergir questões que até então não se discutiam abertamente no Líbano, principalmente as que são sensíveis a um universo de mulheres escritoras que mostraram, ao mesmo tempo, seu amor pelo Líbano e sua insatisfação com tabus sociais que ainda cercam essa sociedade” (p.156), destaca Meihy na sua obra.
A partir do comentário do professor de História, fui procurar alguma obra de Barakat, no entanto, não é uma tarefa tão simples encontrar literatura oriental contemporânea traduzida para o português. Para a minha sorte, achei a editora Tabla, que traduziu o livro O arador das águas do árabe para o nosso idioma em 2021. Comprei e me apaixonei pela narrativa e pelo estilo da escritora libanesa. A história conta com um personagem-narrador masculino chamado Niqula Mitri, que anda pela capital do país, Beirute, lembrando histórias da família, que mantinha uma loja na cidade, e de uma paixão da adolescência por uma garota chamada Chamsa. No entanto, assim como os tecidos produzidos no oriente encantavam os ocidentais no seu processo de expansão, a literatura de Barakat fascina pela preciosidade das palavras e por ser uma prosa com estilo poético.
Para o leitor entender melhor do que estou falando, o melhor é oferecer uma pequena amostra, sem mais delongas: “Cinzas brancas sobre a brasa rosada da sua pela, Chamsa. Tensa para que eu veja, para que apareça aos meus olhos, para que eu sopre bem de leve sem ondular o veludo da cinza nem apagar a brasa rosada, brasa escondida, à espera da minha pele, da palma da minha mão, sempre fria, da minha boca faminta, sequiosa e sempre ofegante” (p.104). Palavras simples e belas, que captam o coração, alma e a imaginação do leitor. A autora mostra como o ser humano é, antes de tudo, demasiadamente humano: sentimentos como medo, paixão, felicidade, tristeza, ciúmes, desconfiança, euforia, etc, são sentidos por todos, mesmo em um contexto de devastações causadas por uma guerra que atravessa décadas. Ou seja, em certos momentos, o homem traumatizado e amassado psicologicamente pelas bombas e tiros, volta a si e consegue ver e se encantar com as coisas mais simples da vida, como a beleza da pele da criatura amada.
Hoda Barakat tem outros livros, que já estou curioso para ler, como A pedra do sorriso, de 1990. Segundo Meihy, esse é o primeiro texto literário libanês que apresenta um personagem principal homossexual atormentado pela incompatibilidade do seu desejo e os desfechos da Guerra Civil em um lugar onde salta aos olhos a repressão em relação às questões sexuais. Para quem já gosta do principal e mais famoso autor da literatura libanesa, Khalil Gibran, autor de O profeta, Barakat é uma ótima alternativa de boa literatura vinda do Líbano. Gibran e Barakat são exemplos claros de que a genialidade literária não se limita aos polos ocidentais, afinal, para expandir fronteiras basta abrir um pouco mais a nossa limitada mente.
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